quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Vida e Obra de Fernando Pessoa




Fernando Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888, viveu uma infância e adolescência marcadas por uma sucessão de factos que o viriam a influenciar profundamente, o que transparece, inevitavelmente, nos seus escritos.

Apenas com 6 anos de idade, confronta-se com a morte do pai e um ano depois, com a morte do irmão. Estas mortes significam uma profunda transformação na vida do poeta, nomeadamente no seio da família. Em breve, Fernando Pessoa iria conhecer um novo núcleo familiar e social, decorrente do casamento da mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, com o comandante João Miguel Rosa, entretanto nomeado cônsul interino em Durban, casamento que se realiza por procuração em 1895. Depois do casamento, mãe e filho partem para Durban, África do Sul, onde Fernando Pessoa viverá até à data do seu regresso definitivo a Portugal, no ano de 1905. Rapidamente perde o privilégio da atenção exclusiva da mãe já que passa a ufparti-la com o padrasto e com os sucessivos filhos que nascem deste segundo casamento de D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa. Encontra refúgio no seu isolamento, na sua imaginação e atracção pela ficção (que se manifestara já desde os seus 6 anos, ainda em Lisboa,com a criação do primeiro heterónimo - Chevalier de Pas) que o levam a criar, em 1903, os heterónimos Charles Robert Anon e H.M.F. Lecher, nas suas leituras de Shakespeare, Milton, Byron, Poe, Keats, Shelley, Tennyson, entre outros, e nos seus escritos.

Vive, pois, grande parte da infância e adolescência (cerca de 10 anos), nesse país, onde recebe uma educação inglesa. Os seus primeiros estudos e os seus primeiros textos são feitos em inglês. Fernando Pessoa nunca abandonará a língua inglesa. É através dela que trabalhará, mais tarde, já em Lisboa, como «correspondente comercial». Apesar de vir a adoptar para os seus escritos a língua portuguesa, continuará sempre a escrever em inglês, seja nos seus textos críticos e notas íntimas, seja nos seus trabalhos de tradução de poetas ingleses, seja nos seus textos poéticos (à excepção da Mensagem, os únicos livros que publica são os das colectâneas dos seus poemas ingleses: "Antinous" e "35 Sonnets", e "English Poems" I-II e III entre 1918 e 1921).


Em Durban, percorre, com sucesso, os diversos graus de ensino até se candidatar, em 1903, à Universidade do Cabo. Em 1904 recebe o Prémio Rainha Vitória, concedido ao seu ensaio de inglês, prova de exame de admissão à Universidade do Cabo, realizado no ano anterior. Tendo a possibilidade de ingressar naquela universidade, Fernando Pessoa, como que respondendo a um chamamento da pátria, regressa, no entanto, sozinho, com 17 anos de idade, a Portugal, que nunca esquecera, associando-o sempre quer à imagem do pai quer à lembrança de uma infância feliz. Traz consigo o propósito de se matricular no curso superior de Letras de Lisboa.Vive nesta cidade, uma vida modesta, em casa de familiares e em quartos alugados. Apesar de efectuar a matrícula no curso referido, no ano de 1906, depressa se desilude com o ensino aí ministrado, não tendo sequer concluído o primeiro ano do curso.

Os seus conhecimentos de inglês constituirão fonte de sobrevivência para o poeta. Em 1908 inicia a profissão, no universo do comércio, como «correspondente estrangeiro». Dedica-se de modo profissional, ao longo da sua vida, aos trabalhos de correspondência comercial, sobretudo naquela que foi a sua língua mãe durante a adolescência. Esta actividade, permiti-lhe obter a independência económica suficiente para se dedicar à sua intensa actividade literária e intelectual.

A sua estreia literária realiza-se na revista A Águia, com a publicação de uma série de ensaios acerca da Nova Poesia Portuguesa. A colaboração com esta revista dura, contudo, pouco tempo. Em 1914, o poeta afasta-se da revista, já movido pela experimentação de novas formas literárias.


Na companhia de amigos como Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa ficará para sempre associado às novas correntes modernistas como o Paùlismo, o Interseccionismo e o Sensacionismo. A sua influência na literatura portuguesa deste século é indissociável da reunião do grupo na criação da revista Orpheu, na qual desenvolvem e expressam, de uma forma que causou escândalo mas também inúmeras adesões, as tendências modernistas literárias. Ao longo da sua vida, desde a revista A Águia, passando pela criação de Orpheu, Fernando Pessoa exerce a sua actividade literária através de inúmeras publicações. Destacamos a colaboração com a revista Portugal Futurista, de Almada Negreiros, em 1917, com a Contemporânea, de José Pacheco, a direcção e fundação da revista Athena em 1924, num género já distante de Orpheu, a colaboração, e desde 1927, com a Presença. De destacar ainda, num outro âmbito, a direcção, em parceria com o cunhado, da Revista de Comércio e Contabilidade, no ano de 1926, onde Fernando Pessoa publica artigos sobre temas sócio-económicos. Mas esta é já uma fase em que Fernando Pessoa passa a desenvolver a sua actividade num plano mais individualista. Os tempos do Orpheu estavam já distantes e o grupo desfeito: Mário de Sá-Carneiro morrera em 1817, no ano seguinte morreriam Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor. Outros membros do Orpheu estavam também afastados: Côrtes-Rodrigues vai para os Açores e António Ferro experimenta novos terrenos literários, dedicando-se ao jornalismo, à cultura e à política. Fernando Pessoa sentirá sempre saudades dos tempos do Orpheu, tal como dos tempos felizes da sua infância, anteriores à partida para a África do Sul.

O isolamento e a solidão do poeta parecem ter marcado a maior parte da sua vida, ao longo da qual, todavia, foi criando, no sentido literal do termo, novos amigos. O primeiro, aos seis anos, a que chamou Chevalier de Pas; os mais conhecidos, entre 1912 e 1914, a que chamou Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. A heteronímia é uma das facetas mais curiosas deste poeta e, para muitos, o resultado da desmultiplicação de um pensamento e de uma poética complexa e genial.

A produção literária destes três heterónimos foi intensa e acompanhou o poeta até bem próximo da data da sua morte. Para além destes heterónimos, Fernando Pessoa escreveu textos em nome de inúmeros semi-heterónimos e usando ainda diversos pseudónimos. Respondendo, desta forma, à ânsia de pluralismo, comum, aliás, aos artistas modernistas, o poeta encontra, através do desdobramento do seu EU, uma forma de percepcionar e expressar a multiplicidade do universo em diferentes perspectivas cada qual mediante as diferentes individualidades por ele criadas.

Para além da poesia heterónima e ortónima, Fernando Pessoa, nomeadamente entre 1925 e 1934, vai percorendo, com uma entrega significativa, os campos do mistério e do ocultismo, bem como o da sua missão patriótica. Nem um nem outro são, no entanto, novos para o poeta, já que desde cedo experimentara e manifestara um interesse pelas regiões do ocultismo e do esoterismo e sentira que tinha uma missão elevada a desempenhar.

A atracção pelo mistério, encaminha-o para campos ocultistas e iniciáticos, na busca de uma verdade e de um conhecimento espiritual, na busca da compreensão de si próprio e de um universo que transcende em muito o campo do imediatamente visível.

Estes campos são percorridos através da assimilação de princípios e orientações templárias e rosa-crucianas, por exemplo, e manifestam-se em muitos dos seus textos, como em Eros e Psique que se inicia com a epígrafe, chave orientadora da leitura do poema:"... e assim vedes, meu Irmão, que as verdades, que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade." - do ritual do Grau Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal, mas também em textos como Passos na Cruz, No túmulo de Christian Rosencreutz e ainda na Mensagem.

Trata-se de textos carregados de profundo simbolismo e mistério, próprios da linguagem iniciática que Fernando Pessoa parece ter experimentado, de imagens cujas chaves de descodificação deveriam passar, segundo o poeta, por uma simpatia em relação a esses símbolos e imagens, pela intuição, inteligência, a compreensão, mas ainda por um relação, pouco definida, com alguém superior ou transcendental que lançará a luz para a completa assimilação dos seus escritos.

Dotado de uma profunda sensibilidade, desde cedo experimenta experiências supra-naturais e procurara nos meandros do ocultismo a outra face do desconhecido. Vários dos seus textos transparecem, com a clareza que o assunto permite, um conhecimento e uma aproximação aos mistérios mais antigos, a uma mitogenia diversa e arcaica, a uma espiritualidade que nem sempre coincide com a religião cristã, aproximando-se claramente do paganismo.

A realidade oculta terá sido para o poeta uma forte presença ao longo de toda a sua vida. As vias do espiritual e do divino foram, simultaneamente, percorridas e acrescentadas à complexidade psíquica e poética de Fernando Pessoa.

O seu empenhamento patriótico esteve sempre manifesto na sua obra e nos seus projectos de intervir, via literatura, sobre a humanidade e sobre Portugal. Este patriotismo, manifestado em termos de Sebastianismo messiânico, e que se faz sentir logo na sua estreia literária através dos artigos da revista A Águia, publicados a partir de 1912, é ele mesmo indissociável do espiritualismo. O poeta via-se a si próprio como um missionário, um mensageiro, um intermediário entre a humanidade e um ser que a ultrapassa e transcende. Em diversos textos o poeta deixa transparecer a sua consciência de uma relação com o divino.

Este sentido patriótico movido pelo sentimento de uma missão culmina, em termos de produção literária, com a publicação, em 1934, da sua obra Mensagem. Aí temos, partindo da epopeia da diáspora de Portugal que deverá ser retomada e concluída, presentes a vontade de regeneração de um país estagnado, a referência a mitologias diversas, e o cruzamento do mito Sebastianista com as lendas arturianas; também aí se revela a espiritualidade do poeta e a sua busca incassável de Deus, ou do Graal, ou de uma qualquer verdade a juntar à sua identidade dispersa e complexa.

A ideia de missão, ao serviço de misteriosos mestres, foi de tal modo marcante em Fernando Pessoa que ela parece ter decidido a sua vida pessoal, nomeadamente a amorosa.

Ophélia Queirós foi por momentos uma fuga ao isolamento de Fernando Pessoa, bem como a revelação de si próprio como um ser capaz de amar. Mas foi sobretudo mais uma revelação da sua complexidade psíquica.

O único namoro conhecido de Fernando Pessoa decorreu em duas fases: a primeira, de 1 de Maio a 29 de Novembro de 1920, a segunda de 11 de Setembro de 1929 a 11 de Janeiro de 1930.

A primeira fase, a das cartas de amor ridículas, como diria Álvaro de Campos, termina com uma carta em que Fernando Pessoa diz a Ophélia que o seu destino pertence a outra lei. O poeta estava já profundamente implicado nos trilhos do ocultismo e dos percursos iniciáticos. Durante esta primeira fase do namoro, as cartas de Fernando Pessoa a Ophélia revelam uma paixão sincera, manifestada por uma linguagem terna, desprovida de intelectualismos. A ideia de casamento parece ter ocorrido a Fernando Pessoa, ideia implícita em algumas das cartas que preenchem os espaços deste namoro em segredo. No entanto, este namoro é desde cedo marcado pela incerteza, descrédito e desconfiança de Fernando Pessoa para com o amor sincero de Ophélia, para com a relação, para consigo mesmo e termina, então, com uma carta datada de Novembro de 1920, e com a revelação da obediência a Mestres e a pertença a uma outra lei.

Nove anos depois, Ophélia e Fernando Pessoa reencontram-se e o namoro recomeça. O reencontro é motivado pela oferta de Pessoa de uma fotografia sua a beber vinho no Abel Ferreira da Fonseca a Carlos Queirós, sobrinho de Ophélia. Esta, ao ver a fotografia, mostra vontade de possuir uma igual e o poeta envia-lha uma com a seguinte dedicatória: Fernando Pessoa em flagrante delitro. Ophélia escreve a agradecer e os encontros e o namoro recomeçam. Esta segunda fase é, todavia, muito diferente da primeira. Também Fernando Pessoa se revela muito diferente. A confusão de sentimentos, a perturbação psíquica manifesta-se com frequência através de cartas que revelam uma linguagem agressiva, um discurso com rasgos de alucinação e de dispersão. Segundo Ophélia, estaa já nem responde às últimas cartas.O contacto entre os dois mantém-se, no entanto, esporádico e cordial, até à morte do poeta. Fernando Pessoa trocou a perspectiva de um amor e de uma família por um outro chamamento, seja ele o da missão a desempenhar e o compromisso com tais mestres mistereriosos, seja o do compromisso com a sua própria identidade e com a humanidade. Abandonado a si mesmo, à sua vida intelectual e mística, ao seu isolamento, que, aliás, marcou toda a sua existência, é sozinho que Fernando Pessoa, já profundamente desgastado pela angústia que o mina, pela constante busca de si próprio, morre no dia 30 de Novembro de 1935, com 47 anos de idade. Uma morte que chega cedo - mais cedo chegara a muitos daqueles com quem conviviera -, mas uma morte para a qual o poeta parece ter caminhado conscientemente e sobre a qual reflectiu em muitos dos seus textos.


A morte chega cedo,

Pois breve é toda vida

O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tinha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E a tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.

Fernando Pessoa - Cancioneiro

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