Estrutura externa…
Um estudo que se pretenda minimamente rigoroso acerca do poema épico de Camões tem de começar, inevitavelmente, por uma análise da sua estrutura externa. E no que se refere a esse aspecto em particular, rapidamente concluímos que é um poema dividido em Cantos (dez Cantos para ser mais preciso), apresentando cada um deles um número variável de estrofes (que, no final, somam um total de 1102). De facto, podemos inferir que o Canto I tem 106 estrofes; o Canto II tem 113; o Canto III tem 143; o Canto IV tem 104; o Canto V tem 100; o Canto VI tem 99; o Canto VII tem 87; o Canto VIII tem 99; o Canto IX tem 95; por fim, o Canto X (por sinal o mais longo) apresenta-se com 156 estrofes.
As estrofes são todas oitavas, ou sejam, possuem 8 versos, que são na sua grande maioria decassílabos heróicos (acentuados na sexta e décima sílabas métricas).
Relativamente à rima, percebemos que ela não só existe como é simultaneamente cruzada e emparelhada, obedecendo ao esquema: a b a b a b c c (rima cruzada nos seis primeiros versos, e emparelhada nos dois últimos).
Estrutura interna…
Passando para a análise da estrutura interna da obra, a primeira conclusão a reter é que Os Lusíadas seguem, com bastante fidelidade, a estrutura clássica da epopeia. Depois, e não fugindo muito ao que acontecia com as obras do mesmo género, verificamos que ela se divide claramente em quatro partes distintas. São elas proposição, invocação, dedicatória e narração.
a) A proposição é a primeira dessas partes, e corresponde às estrofes 1 a 3 do Canto I. Nela, o poeta começa por declarar aquilo sobre o qual vai escrever, e que é, nada mais, nada menos, do que os feitos heróicos dos portugueses, as suas vitórias, conquistas e personagens mais ilustres (salientam-se os navegadores e guerreiros, que transportaram consigo a bandeira do Reino e da Fé aos confins do mundo; os monarcas que, na sua coragem e decisão, permitiram a dilatação do Império; e todos aqueles que, pelas suas obras e feitos, se imortalizaram e se tornaram dignos de admiração).
Na proposição é também possível descortinar todos os quatro planos que posteriormente vão marcar presença ao longo do poema (quatro planos diferentes mas estreitamente articulados entre si):
• o plano da viagem. Não podemos esquecer que foi esta aventura marítima que, acima de tudo, serviu de pretexto à elaboração da epopeia. Neste plano somos confrontados com a narração dos acontecimentos mais significativos da viagem de Vasco da Gama, desde a partida de Lisboa em meados de 1497, até ao momento do regresso. Pelo meio ficam as aventuras sofridas em Mombaça, Melinde, Calecute...
“Que da Ocidental praia Lusitana / Por mares nunca dantes navegados / Passaram ainda além da Taprobana”
• o plano da história de Portugal. Camões aproveita esta oportunidade para fazer uma revisão e uma síntese dos momentos que considera mais importantes e marcantes na história do seu País. Essa história é-nos narrada em ocasiões e por narradores diferentes: primeiro, é Vasco da Gama que conta alguns episódios ao rei de Melinde; segue-se Paulo da Gama que, em Calecute, faz o mesmo em relação ao Catual; depois, os acontecimentos posteriores à viagem são-nos narrados por meio de sonhos e profecias. Este plano é compreensível, na medida em que a intenção do poeta era enaltecer todo o povo português, e não apenas algumas figuras ou episódios.
“E também as memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o Império, e as terras viciosas”
• o plano dos deuses e da mitologia. Camões imaginou uma forte presença dos deuses pagãos, que rivalizariam entre si e interfeririam na viagem dos portugueses.
“A quem Neptuno e Marte obedeceram”
• o plano do poeta. Luís de Camões não se inibe de expressar opiniões e conselhos, avisos e reprimendas, lamentações e comentários, muitas vezes falando na primeira pessoa. As considerações pessoais aparecem normalmente no final dos cantos e constituem, de um modo geral, a visão crítica do poeta sobre o seu tempo.
“Que eu canto o peito ilustre Lusitano”
b) Na invocação, o poeta pede auxílio a entidades mitológicas (conhecidas pela designação de musas), no sentido de estas lhe fornecerem toda a inspiração e engenho que a criação de uma obra literária desta envergadura exigia. Esta atitude era comum por entre os poetas clássicos, para quem a criação artística era fruto de uma inspiração exterior, vinda de fora, dos tais seres mitológicos e sobrenaturais.
Logo no início do Canto I, mais precisamente nas estrofes 4 e 5, assistimos à invocação das Tágides (ou ninfas do Tejo). Em outros momentos fulcrais da narração, a invocação reaparece: no Canto II, estrofes 1 e 2, faz um apelo a Calíope (musa da eloquência e da poesia épica); no Canto VII, estrofes 78 a 87, invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego; no Canto X, estrofes 8 e 9, faz um novo um apelo a Calíope, sempre no sentido de conseguir a inspiração que tanto deseja para narrar as impressionantes aventuras dos portugueses.
c) Na dedicatória (que corresponde às estrofes 6 a 18, do Canto I), o poeta Camões dedica o seu texto ao monarca D. Sebastião, a quem tece inúmeros elogios e oferece alguns conselhos (particularmente no sentido de prosseguir as campanhas militares contra os infiéis, não só para que o triunfo da Fé e do Império sejam indiscutíveis, mas para que o próprio D. Sebastião se torna digno de ser cantado). Por outro lado, era no monarca que recaíam todas as esperanças e expectativas para dissipar quaisquer prenúncios de decadência.
Nota: ter em atenção que a dedicatória não costumava fazer parte da estrutura das epopeias clássicas.
d) No que toca à narração, esta constitui o núcleo central da epopeia, sendo basicamente a concretização de tudo aquilo que o poeta se propôs fazer na proposição. A narração começa no Canto I, estrofe 19, para só terminar no final do último Canto. Lado a lado, irão sendo narrados os episódios dos deuses greco-romanos (que, com toda a atenção, seguiam cada passo dos arrojados marinheiros), e a história da nossa Nação, desde as origens de Portugal ao rei D. Manuel; desde a viagem de Vasco da Gama às profecias dos deuses e sonhos das personagens (referimo-nos por exemplo ao sonho de D. Manuel, que levantava o pano sobre os eventos que aconteceriam no futuro).
Um último aspecto a ter em conta é que a narração, à maneira clássica, se inicia “in medias res”, isto é, quando a viagem de Vasco da Gama e seus companheiros já vai a meio (“Já no largo oceano navegavam”). O poeta decidiu assim não narrar os acontecimentos em sucessão cronológica, conferindo maior beleza ao texto, e evitando que ele se assemelhasse em demasia a uma crónica ou diário.
Um estudo que se pretenda minimamente rigoroso acerca do poema épico de Camões tem de começar, inevitavelmente, por uma análise da sua estrutura externa. E no que se refere a esse aspecto em particular, rapidamente concluímos que é um poema dividido em Cantos (dez Cantos para ser mais preciso), apresentando cada um deles um número variável de estrofes (que, no final, somam um total de 1102). De facto, podemos inferir que o Canto I tem 106 estrofes; o Canto II tem 113; o Canto III tem 143; o Canto IV tem 104; o Canto V tem 100; o Canto VI tem 99; o Canto VII tem 87; o Canto VIII tem 99; o Canto IX tem 95; por fim, o Canto X (por sinal o mais longo) apresenta-se com 156 estrofes.
As estrofes são todas oitavas, ou sejam, possuem 8 versos, que são na sua grande maioria decassílabos heróicos (acentuados na sexta e décima sílabas métricas).
Relativamente à rima, percebemos que ela não só existe como é simultaneamente cruzada e emparelhada, obedecendo ao esquema: a b a b a b c c (rima cruzada nos seis primeiros versos, e emparelhada nos dois últimos).
Estrutura interna…
Passando para a análise da estrutura interna da obra, a primeira conclusão a reter é que Os Lusíadas seguem, com bastante fidelidade, a estrutura clássica da epopeia. Depois, e não fugindo muito ao que acontecia com as obras do mesmo género, verificamos que ela se divide claramente em quatro partes distintas. São elas proposição, invocação, dedicatória e narração.
a) A proposição é a primeira dessas partes, e corresponde às estrofes 1 a 3 do Canto I. Nela, o poeta começa por declarar aquilo sobre o qual vai escrever, e que é, nada mais, nada menos, do que os feitos heróicos dos portugueses, as suas vitórias, conquistas e personagens mais ilustres (salientam-se os navegadores e guerreiros, que transportaram consigo a bandeira do Reino e da Fé aos confins do mundo; os monarcas que, na sua coragem e decisão, permitiram a dilatação do Império; e todos aqueles que, pelas suas obras e feitos, se imortalizaram e se tornaram dignos de admiração).
Na proposição é também possível descortinar todos os quatro planos que posteriormente vão marcar presença ao longo do poema (quatro planos diferentes mas estreitamente articulados entre si):
• o plano da viagem. Não podemos esquecer que foi esta aventura marítima que, acima de tudo, serviu de pretexto à elaboração da epopeia. Neste plano somos confrontados com a narração dos acontecimentos mais significativos da viagem de Vasco da Gama, desde a partida de Lisboa em meados de 1497, até ao momento do regresso. Pelo meio ficam as aventuras sofridas em Mombaça, Melinde, Calecute...
“Que da Ocidental praia Lusitana / Por mares nunca dantes navegados / Passaram ainda além da Taprobana”
• o plano da história de Portugal. Camões aproveita esta oportunidade para fazer uma revisão e uma síntese dos momentos que considera mais importantes e marcantes na história do seu País. Essa história é-nos narrada em ocasiões e por narradores diferentes: primeiro, é Vasco da Gama que conta alguns episódios ao rei de Melinde; segue-se Paulo da Gama que, em Calecute, faz o mesmo em relação ao Catual; depois, os acontecimentos posteriores à viagem são-nos narrados por meio de sonhos e profecias. Este plano é compreensível, na medida em que a intenção do poeta era enaltecer todo o povo português, e não apenas algumas figuras ou episódios.
“E também as memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o Império, e as terras viciosas”
• o plano dos deuses e da mitologia. Camões imaginou uma forte presença dos deuses pagãos, que rivalizariam entre si e interfeririam na viagem dos portugueses.
“A quem Neptuno e Marte obedeceram”
• o plano do poeta. Luís de Camões não se inibe de expressar opiniões e conselhos, avisos e reprimendas, lamentações e comentários, muitas vezes falando na primeira pessoa. As considerações pessoais aparecem normalmente no final dos cantos e constituem, de um modo geral, a visão crítica do poeta sobre o seu tempo.
“Que eu canto o peito ilustre Lusitano”
b) Na invocação, o poeta pede auxílio a entidades mitológicas (conhecidas pela designação de musas), no sentido de estas lhe fornecerem toda a inspiração e engenho que a criação de uma obra literária desta envergadura exigia. Esta atitude era comum por entre os poetas clássicos, para quem a criação artística era fruto de uma inspiração exterior, vinda de fora, dos tais seres mitológicos e sobrenaturais.
Logo no início do Canto I, mais precisamente nas estrofes 4 e 5, assistimos à invocação das Tágides (ou ninfas do Tejo). Em outros momentos fulcrais da narração, a invocação reaparece: no Canto II, estrofes 1 e 2, faz um apelo a Calíope (musa da eloquência e da poesia épica); no Canto VII, estrofes 78 a 87, invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego; no Canto X, estrofes 8 e 9, faz um novo um apelo a Calíope, sempre no sentido de conseguir a inspiração que tanto deseja para narrar as impressionantes aventuras dos portugueses.
c) Na dedicatória (que corresponde às estrofes 6 a 18, do Canto I), o poeta Camões dedica o seu texto ao monarca D. Sebastião, a quem tece inúmeros elogios e oferece alguns conselhos (particularmente no sentido de prosseguir as campanhas militares contra os infiéis, não só para que o triunfo da Fé e do Império sejam indiscutíveis, mas para que o próprio D. Sebastião se torna digno de ser cantado). Por outro lado, era no monarca que recaíam todas as esperanças e expectativas para dissipar quaisquer prenúncios de decadência.
Nota: ter em atenção que a dedicatória não costumava fazer parte da estrutura das epopeias clássicas.
d) No que toca à narração, esta constitui o núcleo central da epopeia, sendo basicamente a concretização de tudo aquilo que o poeta se propôs fazer na proposição. A narração começa no Canto I, estrofe 19, para só terminar no final do último Canto. Lado a lado, irão sendo narrados os episódios dos deuses greco-romanos (que, com toda a atenção, seguiam cada passo dos arrojados marinheiros), e a história da nossa Nação, desde as origens de Portugal ao rei D. Manuel; desde a viagem de Vasco da Gama às profecias dos deuses e sonhos das personagens (referimo-nos por exemplo ao sonho de D. Manuel, que levantava o pano sobre os eventos que aconteceriam no futuro).
Um último aspecto a ter em conta é que a narração, à maneira clássica, se inicia “in medias res”, isto é, quando a viagem de Vasco da Gama e seus companheiros já vai a meio (“Já no largo oceano navegavam”). O poeta decidiu assim não narrar os acontecimentos em sucessão cronológica, conferindo maior beleza ao texto, e evitando que ele se assemelhasse em demasia a uma crónica ou diário.
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